O conceito de cibercultura do filósofo francês Pierre Levy articula-se
à volta de duas noções genéricas que o autor explica ao longo da obra
“Cibercultura”: o universal sem totalidade, em que o autor considera ser
esta a essência da cibercultura.
Ao longo da explicação apresentada, deparamo-nos com outros conceitos e
dualidades necessários para construir o de cibercultura: ciberespaço,
inteligência coletiva, virtual versus real.
Considerando o
ciberespaço, como um espaço não tangível de transmissão, pesquisa, partilha,
discussão, aprendizagem e recolha de informação de toda a espécie (texto,
imagem, som…), podemos compreender que o virtual não substitua o real mas sim
que o complete e ajude a transformar. A capacidade
de partilha de informação criada pela tecnologia da comunicação em linha,
através de redes de computadores dispersos pelo mundo, abre possibilidades
infinitas à reconstrução constante do conhecimento, conferindo à cibercultura o
seu carácter universal, por um lado e retirando-lhe a totalidade, por outro,
devido à persistência da atualização do conhecimento. O conhecimento torna-se
mais democrático e ao serviço dos cidadãos, permitindo uma maior participação e
maior transparência nas políticas públicas que os afetam.
Levy (2000, p. 132) , ao referir:
“… três princípios orientaram o crescimento inicial do ciberespaço: a interligação,
a criação de comunidades virtuais e a inteligência colectiva.”, sistematiza a
evolução que a técnica proporcionou à cultura, alterando radicalmente os
paradigmas educacionais, sociais, culturais, económicos e políticos. Sendo a
utilização da Internet um pólo de partilha de opiniões livre de censura - seja
política, religiosa ou outra – os utilizadores tendem a agrupar-se em fóruns de
discussão ou outros espaços virtuais que abordem temas de interesse comum. A
utilização da rede para fins ilícitos ou desadequados no contexto, representa
uma franja marginal, que podemos considerar um efeito secundário, difícil de
evitar mas que é também frequentemente autocontrolado pelos próprios
utilizadores que criaram espontaneamente uma netiqueta, conjunto de normas de
utilização dos fóruns e dos espaços existentes, que regula intervenções desapropriadas
e denuncia intenções de carácter duvidoso.
A velocidade a que ocorrem as mudanças tecnológicas, torna este livro
um pouco desatualizado quando refere meios técnicos e formas de
interatividade. O fenómeno das redes sociais, por exemplo, teve uma
disseminação massificada posterior à edição do livro, sendo precisamente o
reflexo dessa evolução da criação de comunidades onde os cidadãos se mantêm em
contacto.
Atentemos no caso do Facebook:
a maior rede social do mundo atingiu em outubro deste ano o número
impressionante de mil milhões de utilizadores, espalhados por todo o mundo.
Isto representa um sétimo da população mundial ligada em rede, com a
possibilidade de partilhar as suas competências pessoais e profissionais e
colocá-las ao serviço de quem as quiser utilizar e, com isso, enriquecer e
criar novo conhecimento. Até já os governos adotaram essa forma de se
comunicarem com os cidadãos, salvaguardados os devidos juízos de valor
relativos a essa forma de atuação. No Facebook
criam-se inúmeros grupos abertos, fechados, secretos, comunitários, de empresas
ou instituições,… em que supostamente os seus membros partilham interesses em
comum e têm a possibilidade de trocar pontos de vista, partilhar informação das
mais diversas formas construindo, assim, novos conhecimentos. O próprio criador
do Facebook, Mark Zuckerberg,
escreveu em 2 de dezembro de 2009, no blogue que mantém no Facebook, “…make the world more open and connected.”
É a interação entre estas
comunidades construídas num espaço virtual através das redes digitais que vai
progressivamente construindo a inteligência coletiva mundial, conferindo-lhe um
carácter dinâmico sempre aberto e servindo simultaneamente de memória coletiva
da humanidade.
Se pensarmos no caso, por
exemplo, do Google Earth, as
possibilidades que oferece de identificação de locais, de procurar endereços,
de medição de distâncias entre dois pontos, visualização de locais a três
dimensões, comparação de imagens do mesmo local ao longo do tempo, são inúmeras
e universais. Os utilizadores podem partilhar e identificar na rede, locais que
visitaram ou onde habitam com indicações úteis sobre alojamento, serviços
locais e apreciações gerais, sempre na perspetiva da partilha da informação,
oferecendo a outros a possibilidade de encontrarem informação sobre locais que
desejem visitar, por exemplo. Trata-se, no fundo, de uma base de dados online,
em que as atualizações são visíveis praticamente em tempo real, bastando
atualizar a página.
Esta possibilidade de aumentar o acervo
do conhecimento humano é complementada pelo correio
electrónico que permite a comunicação um-para-um, um-para-todos,
personalizando a troca de informação entre o emissor e o(s) receptor(es), permitindo
a criação de mailing lists, anexação
de ficheiros de vários tipos, acessível agora, ao contrário do que acontecia à
data do livro de Lévy (pelo menos, em Portugal e de forma massificada como
hoje), até através do telemóvel, a qualquer hora, em qualquer parte do mundo.
E tudo na ótica da
complementaridade do virtual com o real, pois um não substitui o outro, antes o
publicita, completa e tenta atuar sobre ele, na perspetiva de melhorar a vida
das pessoas. Como refere Lévy (2000, p. 232): “É muito raro que uma nova forma
de comunicação ou de expressão suplante completamente as antigas. Fala-se menos
desde que a escrita foi inventada? É evidente que não. (…) A escrita não fez
desaparecer a palavra, ela tornou mais complexo e reorganizou o sistema de comunicação
e de memória social.”.
Referências:
Lévy, P. (2000) Cibercultura.
Lisboa: Piaget.
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