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domingo, 9 de dezembro de 2012

Cibercultura - uma reflexão em torno do conceito de Pierre Levy



O conceito de cibercultura do filósofo francês Pierre Levy articula-se à volta de duas noções genéricas que o autor explica ao longo da obra “Cibercultura”: o universal sem totalidade, em que o autor considera ser esta a essência da cibercultura.
Ao longo da explicação apresentada, deparamo-nos com outros conceitos e dualidades necessários para construir o de cibercultura: ciberespaço, inteligência coletiva, virtual versus real.
Considerando o ciberespaço, como um espaço não tangível de transmissão, pesquisa, partilha, discussão, aprendizagem e recolha de informação de toda a espécie (texto, imagem, som…), podemos compreender que o virtual não substitua o real mas sim que o complete e ajude a transformar.  A capacidade de partilha de informação criada pela tecnologia da comunicação em linha, através de redes de computadores dispersos pelo mundo, abre possibilidades infinitas à reconstrução constante do conhecimento, conferindo à cibercultura o seu carácter universal, por um lado e retirando-lhe a totalidade, por outro, devido à persistência da atualização do conhecimento. O conhecimento torna-se mais democrático e ao serviço dos cidadãos, permitindo uma maior participação e maior transparência nas políticas públicas que os afetam.
Levy (2000, p. 132) , ao referir: “… três princípios orientaram o crescimento inicial do ciberespaço: a interligação, a criação de comunidades virtuais e a inteligência colectiva.”, sistematiza a evolução que a técnica proporcionou à cultura, alterando radicalmente os paradigmas educacionais, sociais, culturais, económicos e políticos. Sendo a utilização da Internet um pólo de partilha de opiniões livre de censura - seja política, religiosa ou outra – os utilizadores tendem a agrupar-se em fóruns de discussão ou outros espaços virtuais que abordem temas de interesse comum. A utilização da rede para fins ilícitos ou desadequados no contexto, representa uma franja marginal, que podemos considerar um efeito secundário, difícil de evitar mas que é também frequentemente autocontrolado pelos próprios utilizadores que criaram espontaneamente uma netiqueta, conjunto de normas de utilização dos fóruns e dos espaços existentes, que regula intervenções desapropriadas e denuncia intenções de carácter duvidoso.
A velocidade a que ocorrem as mudanças tecnológicas, torna este livro um pouco desatualizado quando refere meios técnicos e formas de interatividade. O fenómeno das redes sociais, por exemplo, teve uma disseminação massificada posterior à edição do livro, sendo precisamente o reflexo dessa evolução da criação de comunidades onde os cidadãos se mantêm em contacto.
Atentemos no caso do Facebook: a maior rede social do mundo atingiu em outubro deste ano o número impressionante de mil milhões de utilizadores, espalhados por todo o mundo. Isto representa um sétimo da população mundial ligada em rede, com a possibilidade de partilhar as suas competências pessoais e profissionais e colocá-las ao serviço de quem as quiser utilizar e, com isso, enriquecer e criar novo conhecimento. Até já os governos adotaram essa forma de se comunicarem com os cidadãos, salvaguardados os devidos juízos de valor relativos a essa forma de atuação. No Facebook criam-se inúmeros grupos abertos, fechados, secretos, comunitários, de empresas ou instituições,… em que supostamente os seus membros partilham interesses em comum e têm a possibilidade de trocar pontos de vista, partilhar informação das mais diversas formas construindo, assim, novos conhecimentos. O próprio criador do Facebook, Mark Zuckerberg, escreveu em 2 de dezembro de 2009, no blogue que mantém no Facebook, “…make the world more open and connected.”
É a interação entre estas comunidades construídas num espaço virtual através das redes digitais que vai progressivamente construindo a inteligência coletiva mundial, conferindo-lhe um carácter dinâmico sempre aberto e servindo simultaneamente de memória coletiva da humanidade.
Se pensarmos no caso, por exemplo, do Google Earth, as possibilidades que oferece de identificação de locais, de procurar endereços, de medição de distâncias entre dois pontos, visualização de locais a três dimensões, comparação de imagens do mesmo local ao longo do tempo, são inúmeras e universais. Os utilizadores podem partilhar e identificar na rede, locais que visitaram ou onde habitam com indicações úteis sobre alojamento, serviços locais e apreciações gerais, sempre na perspetiva da partilha da informação, oferecendo a outros a possibilidade de encontrarem informação sobre locais que desejem visitar, por exemplo. Trata-se, no fundo, de uma base de dados online, em que as atualizações são visíveis praticamente em tempo real, bastando atualizar a página.
Esta possibilidade de aumentar o acervo do conhecimento humano é complementada pelo correio electrónico que permite a comunicação um-para-um, um-para-todos, personalizando a troca de informação entre o emissor e o(s) receptor(es), permitindo a criação de mailing lists, anexação de ficheiros de vários tipos, acessível agora, ao contrário do que acontecia à data do livro de Lévy (pelo menos, em Portugal e de forma massificada como hoje), até através do telemóvel, a qualquer hora, em qualquer parte do mundo.
E tudo na ótica da complementaridade do virtual com o real, pois um não substitui o outro, antes o publicita, completa e tenta atuar sobre ele, na perspetiva de melhorar a vida das pessoas. Como refere Lévy (2000, p. 232): “É muito raro que uma nova forma de comunicação ou de expressão suplante completamente as antigas. Fala-se menos desde que a escrita foi inventada? É evidente que não. (…) A escrita não fez desaparecer a palavra, ela tornou mais complexo e reorganizou o sistema de comunicação e de memória social.”.

Referências:
Lévy, P. (2000) Cibercultura. Lisboa: Piaget.

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